Sofia não faz parte do grupo de alunos que foram treinados, desde cedo, em colégios bilíngues para ingressar nas universidades mais concorridas e renomadas do mundo. Na verdade, ela aprendeu inglês por conta própria, porque seus pais não podiam pagar por um curso. Mesmo assim, a estudante conta que já desejava estudar fora do país quando criança. “Desde o ensino fundamental, eu já cogitava a ideia de ir estudar no exterior, mas era quase uma utopia. Eu não sabia exatamente como iria conseguir chegar lá.”
Seu histórico escolar não é linear. Ela ou por dificuldades, principalmente na infância, quando seu pai foi demitido da indústria siderúrgica em que trabalhava e ela perdeu sua bolsa de estudos do Sesi, no 5º ano do ensino fundamental. Teve que retornar à escola pública municipal e continuou a realizar atividades extracurriculares para manter-se engajada academicamente.
“Como sempre gostei de estudar, não quis me conformar com a situação e continuei buscando por oportunidades de ir para uma escola melhor. Durante esses anos, participei de olimpíadas de matemática e me engajei em assembleias escolares”, diz Sofia.
A reviravolta ocorreu no 9º ano, quando conseguiu uma bolsa integral em um curso preparatório para vestibulares e, durante sua organização para a seleção de escolas federais, conheceu o Ismart (Instituto Social para Motivar, Apoiar e Reconhecer Talentos). Esse instituto foi essencial para que ela decidisse focar nas universidades do exterior. “Depois de entrar no Ismart, conheci histórias de outros jovens de origens humildes como a minha e que tinham conseguido a sonhada aprovação em universidades americanas com bolsa, e percebi que aquele sonho poderia, sim, se tornar realidade.”
Segundo Sofia, o diferencial dessas faculdades internacionais está no fato de que são dotadas de maior flexibilidade acadêmica, valorizam mais a pesquisa, geram oportunidades internacionais de estudo e têm um corpo de estudantes diverso culturalmente.
O Ismart reconhece jovens talentos de baixa renda e lhes concede bolsas de estudos em escolas particulares de excelência, cobrindo os custos com mensalidade, alimentação e transporte. Foi assim que Sofia ganhou uma bolsa para estudar no Colégio Santo Antônio no ensino médio, em 2019. Lá, sua rotina consistia em acordar às 5h e pegar dois ônibus para chegar até o colégio, voltando para casa às 20h.
Nesse meio tempo, ela ainda criou um projeto social para apoiar estudantes de baixo poder aquisitivo, além de entrar para a Academia de Ciências de Nova York, dar início a uma pesquisa científica autônoma (que recebeu cerca de dez reconhecimentos em feiras nacionais e internacionais), dar aulas de inglês gratuitas para jovens de baixa renda e participar do Parlamento Jovem Brasileiro e de um programa da Câmara dos Deputados, entre outras atividades, sem deixar de se dedicar aos estudos.
A aluna conseguiu extrair bons resultados da rotina pesada. “Aprendi a otimizar meu tempo. Então, sempre busquei usar cada segundo do dia de forma produtiva. Sempre fui uma pessoa muito organizada e metódica: planejava meus dias na noite anterior e estabelecia prioridades do que deveria ser feito primeiro. Também me dedicava a atividades extracurriculares e projetos pessoais, importantes para os processos seletivos das faculdades americanas. Eram dias muito corridos e movimentados, mas eu gostava muito de tudo que fazia. Eram experiências enriquecedoras e gratificantes.”
A aprovação em Harvard representou um misto de emoções para Sofia. Ela diz que se sentiu surpresa e incrédula por ter sido aprovada no ciclo de issões mais competitivo da história. De 61.220 concorrentes, apenas 1.954 (cerca de 3,19%) foram aceitos neste ano. Também sentiu felicidade por visualizar a concretização de anos de esforço em um resultado que transformaria toda a sua vida dali pra frente. Para finalizar a equação, ansiedade e aflição contaminaram-na diante a sensação de ter escolher entre as célebres instituições.
Sofia pensa em cursar Química e Ciências Sociais com foco em Educação e Saúde Pública. Para ela, “além de despertar minha curiosidade intelectual, a química pode ser utilizada para ajudar no avanço da humanidade em muitas áreas, principalmente na área ambiental e da saúde humana.” Porém, está aberta a explorar outras áreas por ter até o fim do segundo ano da faculdade para oficializar a decisão.
A jovem enxerga a educação como um mecanismo transformador de vidas. “A educação de qualidade não mudou apenas a minha vida, como também a vida de muitas pessoas ao meu redor. Meu pai não teve a oportunidade de terminar o ensino médio na época em que estudava pois precisava trabalhar para ajudar a sua família. Quase 30 anos depois, vendo o impacto positivo da educação na minha vida, ele se inspirou a finalizar seus estudos por meio do EJA (Educação de Jovens e Adultos) e fazer um curso técnico.”
Agora, preparando-se para adentrar terras norte-americanas, ela deseja entender como pode mudar sistemas educacionais e políticos para que essas oportunidades se façam presentes para todos os jovens e os ajudem a furar a bolha da desigualdade social brasileira. “Nenhum sonho é tão grande que seja inalcançável e, se não foi conquistado ainda por alguém da sua comunidade, você pode tentar ser o primeiro a realizá-lo. Independentemente do resultado, você terá se tornado uma fonte de inspiração para as outras pessoas por simplesmente ter tido a coragem de tentar.”
*sob supervisão de André Rosa