Mas durante a pré-produção de um show intitulado "Encontros na Via Láctea", que estreou nesta segunda-feira (9) no Planetário Hayden, na cidade de Nova York, uma projeção no domo do planetário revelou algo estranho dentro da estrutura: uma espiral.

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Os curadores estavam testando uma cena em setembro que incluía uma visão detalhada da vizinhança celeste da Terra — do Sol até os confins do Sistema Solar — e se surpreenderam ao ver a estrutura, que lembrava coincidentemente uma galáxia espiral como a nossa.

“Demos play na cena, e imediatamente vimos aquilo. Estava simplesmente lá”, relembrou Jackie Faherty, astrofísica do Museu Americano de História Natural e curadora do show. “Fiquei confusa e achei aquilo muito estranho. Não sabia se era uma falha na projeção, se era real.”

A estrutura espiral, visível aqui atrás do sol em uma cena do programa, surpreendeu cientistas e animadores quando a viram projetada na cúpula do planetário durante a pré-produção • AMNH via CNN Newsource
A estrutura espiral, visível aqui atrás do sol em uma cena do programa, surpreendeu cientistas e animadores quando a viram projetada na cúpula do planetário durante a pré-produção • AMNH via CNN Newsource

Para investigar, Faherty entrou em contato com David Nesvorny, cientista do Instituto de Pesquisa do Sudoeste, em Boulder, Colorado, e especialista na Nuvem de Oort, que havia fornecido os dados científicos para a cena.

“Não fomos nós que criamos isso — foi o David”, disse Faherty. “Essa é a simulação dele, e é fundamentada em física. Há uma explicação física totalmente válida para aquilo estar lá.”

A princípio, Nesvorny suspeitou que fosse um artefato — anomalias ou distorções na visualização dos dados —, mas ao revisar suas simulações, confirmou a presença da espiral e, em abril, publicou um artigo científico sobre a descoberta no The Astrophysical Journal.

“Um jeito esquisito de descobrir algo”, comentou. “Eu deveria conhecer melhor meus dados, depois de anos trabalhando com eles.”

Órbitas longas e malucas

A existência da Nuvem de Oort foi proposta pela primeira vez em 1950 pelo astrônomo holandês Jan Oort, que a imaginava como uma concha de corpos gelados orbitando o Sol a até 1,5 ano-luz de distância.

A nuvem é a região mais distante do nosso Sistema Solar, estendendo-se até metade do caminho para a estrela mais próxima, segundo a Nasa. Ela é composta por sobras da formação da região onde estamos, espalhadas em todas as direções pelos planetas após sua formação.

Isso significa que muitos dos corpos gelados da Nuvem de Oort não compartilham o mesmo plano orbital do Sistema Solar, viajando em diversas inclinações — por isso, ela é representada como uma esfera. Se algumas dessas formações é lançada para o interior do nosso sistema, o calor do Sol começa a vaporizá-lo, criando uma cauda — e o que chamamos de cometa.

“De tempos em tempos, alguns desses objetos gelados entram no sistema solar interno, e conseguimos ver a órbita em que estão”, disse Faherty. “E são órbitas realmente malucas e longuíssimas. Pode levar milhões de anos para completarem uma volta ao Sol. E quando entram, nos ajudam a entender de onde podem ter vindo.”

O problema é que os cientistas nunca viram a Nuvem de Oort — embora estejamos tecnicamente cercados por ela. Isso ocorre porque os corpos que a compõem são pequenos — com menos de 100 km de diâmetro — e, mesmo que possam ser trilhões, estão muito distantes, o que torna as observações por telescópio difíceis.

A espiral estava “escondida” nos dados de Nesvorny porque ele nunca tinha pensado em visualizá-los em três dimensões. “Nunca olhei para isso em coordenadas cartesianas — não tinha um bom motivo para fazer isso”, disse. “Mas, quando se faz, fica óbvio. Está lá.”

A maré galáctica

Para confirmar a descoberta, Nesvorny usou um dos supercomputadores mais poderosos do mundo, o Pleiades, da Nasa, para rodar simulações que levaram semanas para concluir.

“Pensei: talvez apenas essa simulação específica (que forneci ao planetário) esteja mostrando isso, e todas as outras modelagens, com encontros estelares diferentes e outros parâmetros, não mostrem — e, nesse caso, não seria tão interessante”, explicou. “Mas todos os experimentos, todos os modelos que tenho, mostram a espiral.”

Segundo ele, a razão de isso ocorrer é que os objetos na Nuvem de Oort estão tão distantes que começam a ser afetados também pela maré galáctica — o campo gravitacional da nossa galáxia, influenciado pelas estrelas e pela matéria escura. Esse campo atua sobre os pequenos corpos e cometas da Nuvem de Oort, torcendo seus planos orbitais e formando uma espiral.

A espiral, diz Nesvorny, está na parte interna da nuvem, a mais próxima de nós. Ele ainda acredita que a parte externa da nuvem seja esférica ou em forma de casca.

Observar essa formação continua sendo um desafio, embora o Observatório Vera C. Rubin — um poderoso telescópio recentemente ativado no Chile — possa ajudar a descobrir e observar corpos gelados individuais.

No entanto, segundo Nesvorny, o telescópio provavelmente encontrará dezenas desses corpos — e não as centenas necessárias para visualizar claramente a espiral.

A teoria da espiral ajuda a entender a dinâmica do nosso Sistema Solar, segundo Faherty.

“Se você vai criar uma teoria sobre a evolução de sistemas solares, deve considerar os tipos de formas que podem existir em sua estrutura”, afirmou. “Talvez cometas tenham ajudado a trazer água para a Terra. Talvez os blocos fundamentais da vida estejam na Nuvem de Oort, então, se quisermos falar sobre a origem da vida ao redor do Sistema Solar, precisamos entender sua forma.”

É um “sonho”, ela acrescentou, poder apresentar ciência tão recente em um show voltado ao grande público. “Acredito sinceramente que o planetário, o domo em si, é uma ferramenta de pesquisa”, disse Faherty. “Gosto de dizer que esta é uma ciência que ainda não teve tempo de chegar ao seu livro didático.”

Ver o invisível

A descoberta da espiral é um exemplo notável de como podemos aprender mais ao visualizar o Universo de formas novas, disse Malena Rice, professora assistente de astronomia da Universidade Yale, que não participou do estudo.

“Esse resultado reformula nossa imagem mental do sistema solar, ao mesmo tempo em que oferece uma nova noção de como as nuvens de Oort de sistemas extrassolares podem se parecer”, disse Rice.

“Isso une nossos modelos do sistema solar com o que sabemos sobre a galáxia como um todo, colocando-o em contexto como um sistema dinâmico. Não somos estáticos, nem isolados — nosso sistema solar é moldado por seu ecossistema mais amplo, e a espiral da Oort exemplifica isso.”

Embora o estudo seja interessante, ele é quase inteiramente teórico, pois se baseia em simulações numéricas das interações entre a gravidade do Sol e a força gravitacional do restante da galáxia, observou Edward Gomez, astrofísico e professor honorário da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, que também não esteve envolvido na pesquisa.

“Cometas de longo período entram no Sistema Solar interno em vários ângulos, o que os autores tentam modelar com a ideia do braço espiral”, explicou Gomez por e-mail. “O que eles estão propondo pode ser verdade, mas também poderia ser explicado por outras formas da Nuvem de Oort ou por outros processos físicos. O grande desafio deles será justamente como testar isso, já que conhecemos apenas um punhado de possíveis objetos dessa nuvem.”

Confirmar essa descoberta será difícil, observou Simon Portegies Zwart, professor de dinâmica estelar numérica da Universidade de Leiden, na Holanda, que também não participou do estudo. “É interessante que tenham encontrado a espiral, (mas) parece improvável que a testemunhemos em um futuro próximo”, disse.

Com sorte, acrescentou ele, o Observatório Vera Rubin detectará algumas centenas de objetos na parte interna da Nuvem de Oort, mas a espiral só será visível se forem encontrados muitos mais: “Por isso, parece improvável que venha a ser uma estrutura claramente detectável.”

Veja: Cientistas descobrem indício de vida fora da Terra pela primeira vez

 

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